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Porque abandonei a 5ª edição de Dungeons & Dragons - Dose de XP #24

Não dá mais, chega.

Posso afirmar com segurança que o RPG de mesa é o meu jogo favorito, incluindo jogos analógicos e digitais de todos os gêneros. Por esse motivo, tenho enorme respeito pelo Dungeons & Dragons como um todo. Eu mesmo joguei D&D 3.0/3.5e em meados dos anos 2000, embora naquela época eu e meus amigos preferíssemos criar nossas próprias regras em vez de seguir um manual. Talvez por causa disso, acabei ignorando completamente a quarta edição e estava totalmente disposto a fazer o mesmo com a quinta. Na verdade, quando vi o primeiro livro de D&D 5e na prateleira, senti um incômodo estético. A arte digital me lembrava a estética de jogos como MU online e Priston Tale, que eram bem diferentes da arte da terceira edição com a qual eu estava acostumado. Apesar dessa resistência inicial, acabamos migrando para D&D 5e.


Claro que a crítica positiva à quinta edição contribuiu, mas o principal motivo pelo qual decidimos dar uma chance ao D&D 5e foi o fato de termos migrado para mesas virtuais. Essas plataformas são compatíveis com a maioria do conteúdo oficial de RPGs publicados, oferecendo uma série de facilidades que prometem simplificar a vida do mestre e dos jogadores. Em contraste, se optássemos por implementar um sistema próprio, teríamos que escrever centenas de linhas de API. Decidimos, então, adaptar nosso estilo de jogo, migrando completamente para RPGs publicados, principalmente a 5e.


A primeira impressão foi positiva. De fato, o jogo é excelente em muitos aspectos. A mecânica consistente baseada em um dado de vinte faces é uma ideia brilhante. Os conceitos de vantagem/desvantagem, juntamente com a acurácia limitada, corrigem muitos dos problemas da terceira edição. As subclasses e os antecedentes flexibilizam os limites entre as classes, permitindo que os jogadores criem praticamente qualquer tipo de personagem. Além disso, a popularidade da quinta edição, aliada à licença de jogo aberto, impulsionou a produção de conteúdo independente, tornando muito fácil encontrar variações, módulos e cenários, muitas vezes gratuitos e prontos para serem utilizados em seu jogo.


No entanto, depois de alguns anos de experiência com a quinta edição, tanto como jogador quanto como mestre, interagindo com jogadores novatos e veteranos, explorando aventuras prontas e criando minhas próprias, comecei a perceber que nem tudo são flores. Os defeitos demoram a se manifestar, afinal, é difícil separar o que é do jogo do que é da dinâmica da mesa. Ainda assim, posso afirmar com confiança que consigo identificar alguns defeitos importantes que afetam minha diversão e me levam, na data de hoje, a abandonar a quinta edição.


Evidentemente, a quinta edição passou por mudanças desde 2014. As regras permaneceram as mesmas, mas além dos três livros principais, foram lançados oficialmente 7 suplementos, 9 cenários e 25 aventuras, totalizando 44 livros (e contando). Combinados, esses livros oferecem 83 raças jogáveis, 14 classes e 117 subclasses, resultando em um total de 9.711 combinações possíveis, sem mencionar a opção de personagens com multiclasses e antecedentes! O resultado é que, em 2023, mestrar D&D 5e se tornou comparável a fazer um doutorado, inclusive em nossa mesa, na qual optamos por ignorar grande parte do conteúdo mais recente, como Spelljammer e Keys from the Golden Vault. Além de decisões editoriais questionáveis, a Wizards of the Coast, detentora da marca Dungeons & Dragons, tem enfrentado polêmicas relacionadas a conflitos com a comunidade de jogadores de RPG.


Talvez você pense que eu poderia simplesmente me ater aos livros básicos, ignorando as mudanças no jogo. Eu tenho objeções a essa ideia, mas vou assumir que ela é possível por um instante, pois quero seguir analisando um segundo problema: a quinta edição é um jogo fácil.


Na quinta edição, um grupo de aventureiros de primeiro nível, seguindo somente as regras do Livro do Jogador, é capaz de resolver uma variedade surpreendente de problemas. Os jogadores não precisam temer a escuridão, já que seis das nove raças jogáveis possuem visão no escuro e quatro classes possuem truques (infinitos) que podem iluminar o equivalente a até quatro tochas. A fome não é uma preocupação, pois os jogadores podem carregar quantidades absurdas de equipamento, e, no pior dos casos, patrulheiros (classe) e andarilhos (antecedente) podem forragear comida para até cinco jogadores, enquanto druidas de primeiro nível são capazes de criar ou purificar água e alimento. As quedas também não são um problema, já que três classes podem conjurar a magia queda suave no primeiro nível, salvando até cinco personagens com uma reação. Além disso, os jogadores não precisam temer monstros, pois bárbaros e guerreiros são capazes de suportar consideráveis quantidades de dano, enquanto clérigos e paladinos podem curar suas feridas, trazendo-os de volta à vida várias vezes durante o combate. Por outro lado, bruxos e ladinos causam grandes quantidades de dano, eliminando monstros solitários em poucas rodadas. Os jogadores não precisam temer a morte, já que mesmo depois de derrotados, podem levar até seis rodadas para morrer, isso se um clérigo não puder curá-los, já que existe um truque sem limite diário capaz de salvar um personagem moribundo.


Esse problema tende a se agravar em níveis subsequentes. À medida que os jogadores encontram itens mágicos e acumulam habilidades, são capazes de realizar feitos absurdos. Apenas para citar alguns exemplos: magos e bardos de sétimo nível podem se transformar em tiranossauros voadores; personagens com níveis intermediários de druida e monge podem se transformar no gato de "Todo Mundo em Pânico 2", realizando quatro ataques por rodada com 1d6+2 pontos de dano por ataque; personagens com níveis de feiticeiro e bruxo podem recuperar espaços de magia com um descanso curto, converter esses espaços em pontos de feitiçaria que, por sua vez, podem ser usados para criar mais espaços de magia, criando um personagem com um número virtualmente infinito de magias diárias. Essa escalada de poder tem duas consequências: desafiar os jogadores se torna extremamente difícil, exigindo encontros com grandes quantidades de inimigos ou monstros capazes de destruir cidades inteiras; qualquer expectativa de um cenário coerente e esteticamente agradável será rapidamente frustrada.


Em resumo, a abundância de recursos disponíveis dificulta a criação de desafios significativos, a menos que você esteja disposto a transformar o cenário da aventura em algo cafona, comparável a uma mistura de bolo de pote com Power Rangers e a novela Mutantes. No entanto, o problema não é apenas estético. Do ponto de vista prático, o jogo tende a se tornar monótono. Isso ocorre porque as soluções para os problemas geralmente estão escritas nas fichas dos jogadores, mesmo que não sejam óbvias. Muitas vezes, vejo que meus jogadores focam em suas fichas em vez de olhar para o cenário, como se a resposta estivesse ali, escondida em alguma combinação de movimentos, ações, reações, ações bônus e ações livres. Perdi a conta de quantas vezes presenciei essa situação.


Posso expandir meu argumento, apontando o absurdo do foco arcano ou as consequências negativas de um sistema de experiência baseado em monstros ou marcos históricos. No entanto, acredito que os parágrafos anteriores já são suficientes para descartar uma abordagem reformista em favor de algo mais radical. Afinal, existem inúmeros sistemas publicados, incluindo edições anteriores do próprio D&D, muitos dos quais são acessíveis e compatíveis com a maioria mesas virtuais. O único argumento que vejo para continuar jogando D&D 5e é um conformismo falacioso, pois no primeiro semestre de 2024, uma nova edição será lançada.


Felizmente, descobri há pouco tempo um estilo de jogo alternativo que remonta às raízes do próprio Dungeons & Dragons. Minha breve experiência com essa alternativa tem sido divertida, adicionando imprevisibilidade e improvisação, características que marcaram os primeiros anos de nossa mesa de RPG, quando tínhamos que usar nossa criatividade para descobrir o que nossos personagens eram capazes de fazer.

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