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Enfraqueça seus jogadores, tire a rodinha da bicicleta - Dose de XP #21

Se você não enfraquecer seus jogadores, a jornada será previsível e repetitiva. Experimente essas pequenas desvantagens para vê-los se esforçando.

Todos nós, nascidos na década de 1990, conhecemos o “dilema de Dragon Ball”. Na primeira temporada da série, os personagens têm poucos poderes e o protagonista consegue voar apenas com auxílio de uma nuvem mágica. Na primeira saga do sequel, Dragon Ball Z, o vôo é generalizado e poderes são mais comuns. Na batalha final da saga Freeza, a vida na Terra é ameaçada. Na saga Cell, o próprio planeta pode ser destruído caso os poderes sejam mal utilizados. Na quarta e última saga, a Terra de fato é destruída e reconstruída várias vezes e ninguém mais entende por que os personagens insistem em trocar socos ao invés de usar o arsenal de poderes nucleares.


O problema decorre da estrutura dramática da série: há um desafio - os protagonistas treinam para superá-lo - é insuficiente e os heróis apanham - algum apelo emocional faz com que eles se esforcem ainda mais - sucesso, eles ficam mais fortes e derrotam o vilão. Mas, quando chega a próxima temporada, o novo vilão precisa ser mais ameaçador que o último.


Essa situação acontece em histórias épicas cuja resolução depende da competência dos protagonistas. Nas histórias épicas, os heróis são cavalheirescos e honestos (o que significa que precisam merecer a vitória, não podendo trapacear ou terminar a jornada sem evoluir de alguma forma). Se a linguagem da resolução de conflitos for a porradaria, como é o caso da maioria dos RPGs, o dilema de Dragon Ball está anunciado.


Em algum grau, isso é esperado – basta ler a lista de magias nos primeiros e últimos níveis, e comparar os monstros de nível de desafio baixo com os antagonistas mais fortes. No começo, o mago de D&D atira a Flecha Ácida de Melf (em média 15 de dano) e no final ele invoca enxame de meteoros (40d6 de dano); no começo mata goblins e kobolds e no fim mata dragões e tarrasques.


Entretanto, esse sempre foi um fator que me irritou em jogos como D&D, por diversas razões. Primeiro: existindo magos capazes de invocar chuvas de meteoros, por que diabos confiaram a salvação do reino a mim, que ainda estou tentando aprender a mágica de tirar o nariz da criança com o dedão? Segundo: quem foi que dispôs os inimigos em ordem crescente de força? Terceiro: se quanto mais forte eu fico, mais inimigos fortes aparecem; eu deveria parar de evoluir ou vou acabar atraindo um deus maligno. Quarto: essa estrutura é chata.


Felizmente, o golpe está aí e só cai quem quer; existem formas de evitar essa bobagem repetitiva. Como já anunciei, dois fatores colaboram para essa estrutura dramática – o gênero épico e o conteúdo com foco no combate. Alterando esses fatores, podemos contar histórias diferentes, ou contá-las de forma diferente.

Para quebrar o ciclo vicioso, experimente aumentar a dificuldade dos desafios enfraquecendo os jogadores, em vez de aumentar a força dos adversários. Além de cumprir a tarefa de apresentar um problema à altura, você obrigará os jogadores a ser criativos para suprir a deficiência. O trabalho deles vai deixar de ser simplesmente procurar na ficha um poder que solucione o obstáculo, eles vão ser trazidos para dentro do jogo ao ser obrigados a pensar em algo novo. Mais importante ainda: existem várias formas de enfraquecer os jogadores, mas apenas uma de fortalecê-los.

  • Experimente jogar sem visão no escuro (darkvision) e veja os jogadores voltarem a ter medo das sombras.

  • Experimente jogar sem descansos em zonas perigosas e veja os pontos de vida caírem sem que você precise causar mais dano.

  • Experimente jogar em terrenos diversos e veja os jogadores estranhando suas próprias fichas. Na água, magias de fogo, gelo e elétricas se transformam, os martelos dos bárbaros ficam inúteis e a armadura dos guerreiros os arrasta para baixo.

  • Experimente jogar com a lógica e não apenas com a regra. Um jogador quer passar por um espaço estreito? Ele precisa então tirar a armadura. Essa exigência não está explícita nas regras, mas é o que diz o bom senso. Investir em alguém sem armadura garante maior probabilidade de acerto sem necessidade de apresentar monstros com bônus de ataque enormes.

  • Experimente jogar sem perícias inúteis. O procedimento para encontrar coisas escondidas, por exemplo, é muito melhor sem rolar dados. Se um objeto foi ocultado embaixo da cama e o jogador diz que vai procurar embaixo da cama, não há mais o que discutir – corte o teste de percepção. O mesmo serve para detectar armadilhas. Na prática, isso deixa o jogo mais difícil por obrigar o jogador a pensar e descrever exatamente o que está fazendo, em vez de simplesmente rolar um dado que resolva qualquer questão por ele. O procedimento também pode ser usado para escrever cartas, contar mentiras elaboradas de antemão e corroboradas por vários personagens, etc.

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